Desenhos e poemas
Edições Dest’Arte
Patrocínio de Jorge Linhares
Galeria Linhares
Além de pintor de vasto «curriculum», Albino Moura é também poeta.
Assim, as Edições Dest’Arte, na colecção Poesia da Cor, já inaugurada por Miguel Barbosa, publicaram recentemente este belo livro de poemas e desenhos de Albino Moura.
Sobre papel verde com desenhos da mesma cor, numa tonalidade mais escura, os poemas ganham uma profundidade pela beleza plástica da folha colorida, onde se vislumbram as bonecas inconfundíveis de Albino Moura.
As Palavras e as Sombras, assim se intitula o livro, abre com um poema dedicado à nossa capital, «Olhares de Lisboa», onde perpassam personagens do quotidiano, sons e imagens que lhe recordam a infância. São «as ruas/ os gritos da miudagem/ o som da guitarra/ na noite iluminada de luar/ a varina» e «o sorriso perdido / nas ruelas/ Lisboa dos meus pintores/ dos meus poetas/ Lisboa a cor/ no olhar da minha infância» que o poeta evoca.
Seguem-se vários poemas de amor, de um lirismo confessional, onde a simplicidade e a voz directa, sem artifícios, constituem o seu estilo e as suas principais características.
Sem filosofias transcendentes, apenas a imagem, o corpo, os sentimentos e, sobretudo, o ritmo, a sugestão cromática e a musicalidade das palavras preenchem o espaço poético que se complementariza com a estética dos desenhos.
Sempre o eterno feminino nas bonecas que lembram as gordas de Botero, mas que se tornam originais pela inocência que lhes empresta.
As palavras corporizam-se e são voz., dor e amor
«E em cada palavra
tudo se entende
a tua música
a tua voz
a tua dor
Tremo em ti
de braços unidos
no saudoso som
que fica
no meu peito
o grito que em ti fala
tremo sentido
e soluçando adivinho
esse teu olhar interrogado»
O poeta assume-se na poesia como artista plástico da transfiguração da imagem e da palavra. Vejamos o poema, «Narciso, o pintor»:
«Pintor sonhado
Metamorfose do sentido das coisas
Reflexo feito de si
Máscara
Denúncia
Turbilhão dos não denunciados
Grito feito pintura
O mito»
Também no poema «Menez», as marcas da pintora são um legado na poesia e uma homenagem à grande artista Menez.
«Virou a esquina
e a paisagem era ali ao lado
branca
com figuras
uma de cada lado
o guache manchou
o papel
e a tinta ficou azul
na finura
do traço
que se perdeu
no virar da esquina
da vida
Ali ao lado
ainda na tela
a pincelada escorreu
na assinatura
que ficou Menez..
Nessa simbiose entre a palavra e a cor, o poema «Fez-se branco»:
Fez-se branco
O olhar
Puro
Do teu
Corpo.
E se o poeta pensa em imagem, é sempre a cor que se evidencia, tal como as suas pinturas de um colorido que remete para a infância e para a alegria dos pequenos prazeres da vida.
«Preciso de silêncio
para poder gritar
as cores do meu
pensamento.»
E no poema «Tremo sentido», ele termina, dizendo:
«Não me contem as tristezas
Digam-me das alegrias
Dos amores
E das esperanças
E das vitórias.»
É esse mesmo grito de esperança e de optimismo que vemos impresso na sua pintura como igualmente na sua poética, expressão de um amor feliz.
A terminar, o texto «Encontro na Brasileira» que não é um poema, mas uma pequena narrativa em que o escritor assiste a uma conversa entre dois namorados na Brasileira, contando o rapaz à rapariga as memórias do avô sobre aquele café, onde se reuniam habitualmente escritores e pintores como Ferreira de Castro, Alves Redol, Aquilino Ribeiro, Abel Manta, entre outros.
As ultimas páginas são os desenhos que ilustram os poemas, a cores, transformando este livro numa obra artística que nos delicia pela sua beleza e harmonia.
(Recensão lida aos microfones da RDP Internacional)
Elsa Rodrigues dos Santos
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